No Brasil as interfaces entre religião e política sempre estiveram no contexto da gênese da formação da nossa sociedade. E quando falamos “politica” não podemos esquecer das “lentes” de análises sobre o quesito raça e gênero. Ao analisar sobre a relação entre religião e política, um olhar atento sobre a construção social brasileira, nos revela que durante o período colonial e imperial já era verificado casos de sacerdotes cristãos que exerciam cargos políticos e administrativos. Assim, mesmo após diversas propostas e reformulações para a despolitização dos cleros, não é de se estranhar que nos últimos 24 anos, do século XXI, tivemos um crescimento significativo de candidatos a prefeito e vereadores que usando usas identidade religiosa como uma bandeira política, pois foi assim que essas interfaces se moldaram em solo brasileiro. Segundo os dados coletados pelo Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das últimas sete eleições municipais, entre 2000 e 2024 os números de candidatos a tais cargos, que agregam suas identidades religiosas a campanha, cresceu cerca de 225%. Os dados obtidos e publicados pela Agência Brasil, apontam que no ano 2000 foram registradas 2.215 candidaturas com identidade religiosa.
Comparando o ano de 2000 com o ano de 2024 é possível verificar que o número chegou a 7.206 (+225%), um crescimento extremamente significativo. Diante dos dados quantitativos, podemos observar que há, nas eleições de 2024, um aumento significativo do forte apelo da religião na política brasileira. Ainda segundo a publicação da Agência Brasil, a pesquisa realizada pelo IPRI foi por meio da utilização de filtros, “palavras chaves” usadas nos meios religiosos, como: bispo(a), pastor(a), apóstolo(a), ministro(a)irmão(a), missionário(a), no meio cristão evangélico, e pai, mãe ou o nome de um orixá, no meio das religiões de matrizes africanas.
Assim, a apuração evidenciou que o número de candidatos cristãos evangélicos cresceu de forma significativa em relação ao número de candidatos com outra denominação religiosa. Por outro lado, ao voltarmos os nossos olhos sobre os percentuais de candidaturas femininas e de pessoas negras, os dados publicados pelo TSE, nos revelam que do total de 456.310 candidaturas registradas apresentadas, 155 mil são de mulheres e 301.310 são de homens.
Desses totais por gênero é revelado que 80.645 se declaram mulheres negras, 74.355 se declaram mulheres não negras,159.942 se declaram homens negros e 141.368 se declaram homens não negros. Sobre a questão de identidade de gênero, pela primeira vez usada de forma obrigatória nos registros das candidaturas, o Tribunal Superior Eleitoral nos mostra que 967 pessoas, em todo o Brasil, se declararam transgêneras nos registros de candidaturas. Os dados apontam que 79,77% pessoas se declararam cisgêneros; 0,21% pessoas são de transgêneros; 20,02% pessoas não informaram o gênero. Desses, 342 candidaturas foram registradas com o nome social.
A grande maioria dos candidatos são homens, representando 66% do total. E 34%, mulheres. Sendo o Brasil um país constitucionalmente democrático e laico, a diversidade passa a ser um filtro de leitura sobre os possíveis rumos da política brasileira. Entretanto, há que se questionar se realmente estamos promovendo a equidade e a liberdade, quando observamos os dados do TSE sobre o número de candidaturas sobre o quesito raça e gênero, ou apenas assegurante a manutenção dos privilégios políticos, religiosos hegemônicos, de raça e de gênero. Tal questionamento se faz extremamente relevante diante da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 9/2023), que perdoa multas de partidos políticos que não cumpriram as cotas de gênero e raça nas eleições anteriores. Destarte, a PEC da Anistia, como é conhecida, é um dos muitos exemplos da busca pela solidificação de um passado colonial e a salvaguardar de privilégio.